Inspirado pela educadora Olesia Vlasii, Mitchel Resnick escreve sobre o poder da gentileza

Por Mitchel Resnick (inspirado por Olesia Vlasii)

Na semana passada, recebi um e-mail de partir o coração, de uma educadora ucraniana chamada Olesia Vlasii. Depois disso, conversei com Olesia várias vezes por e-mail e pelo Zoom. Fui muito inspirado por suas palavras e sua forma de pensar sobre o poder da gentileza; por isso, farei o possível para aumentar o alcance da voz e das ideias dela. São pessoas como Olesia que me dão esperança em relação ao futuro.

Este é um trecho do e-mail original de Olesia:

Sou Olesia Vlasii, professora ucraniana, mãe e autora de poesia infantil…

Acompanho suas atividades desde 2007, quando vi o gato do Scratch pela primeira vez. Desde então, ensino meus alunos a criarem projetos de gentileza no Scratch. Nos últimos anos, participamos de vários eventos para mostrar como podemos oferecer algo de bom para o mundo com o Scratch…

Agora, meu país natal está passando por um momento muito difícil. A Rússia não só começou uma guerra, mas também atacou civis. É terrível! É inacreditável que algo assim esteja acontecendo no século 21. Muitos civis morreram, inclusive crianças…

A população tem ajudado uns aos outros de diversas formas. Rezo por todos sempre, e acredito que um grande gesto de gentileza pode nos ajudar.

Você criou o maior ambiente pacífico para crianças (e não só crianças!) do mundo. Por isso, decidi escrever para você e pedir ajuda. Acredito que sua mente brilhante e poderosa e seu enorme coração bondoso podem encontrar uma maneira de criar a maior onda de gentileza para ajudar a parar esse grande mal. Estou pronta para ajudar com qualquer coisa. Por favor, ajude-nos a salvar as crianças ucranianas.

Na mensagem, Olesia se refere à linguagem de programação e comunidade on-line Scratch, que permite que crianças criem e compartilhem histórias, jogos e animações interativas. Adoro o fato de Olesia ter ajudado os próprios alunos a criarem “projetos de gentileza” para “oferecer algo de bom para o mundo”. E, assim como ela, acredito que precisamos “criar a maior onda de gentileza para ajudar a parar esse grande mal”.

Atender a essa necessidade de criar “a maior onda de gentileza” pode parecer algo além do nosso alcance. No entanto, a mensagem de Olesia me fez lembrar do discurso da “onda de esperança” de Robert Kennedy, feito em 1966, quando o apartheid estava em vigor na África do Sul:

A história humana é moldada a partir dos inúmeros atos de coragem e convicção. Toda vez que um homem defende um ideal, age para melhorar o destino dos outros ou luta contra a injustiça, ele envia uma pequena onda de esperança que, ao se encontrar com outras, oriundas de um milhão de centros de energia e coragem, cria uma corrente com potência suficiente para derrubar até o mais poderoso muro de opressão e resistência.

Como podemos tornar a “maior onda de gentileza” idealizada por Olesia uma realidade? Seguindo as palavras de Kennedy, podemos começar aos poucos, enviando pequenas ondas de gentileza. Como Olesia me escreveu em um e-mail posterior: “Todos os dias, temos a oportunidade de falar ou fazer algo bom… Quando deixamos isso passar, perdemos a chance de melhorar um pouco o mundo ao nosso redor.” É claro que cada pequeno ato de gentileza terá pouco impacto local. Mas, juntos, com o tempo, podem criar uma onda de gentileza, uma cultura de gentileza, que pode mudar a forma como as pessoas pensam sobre o mundo e interagem umas com as outras.
Em outro e-mail, Olesia escreveu:

Existem muitos tipos de ondas. Algumas delas nós podemos ver, como na água ou no ar. Há ondas que podemos ouvir, como os sons; outras, não podemos ver, mas podemos sentir os resultados delas (como as ondas magnéticas). Há também algumas que nos ajudam a nos conectar com outras pessoas, como o Wi-Fi. Nós acreditamos que temos o potencial de gerar um novo tipo de onda: uma onda de gentileza.

Tantas pessoas no mundo estão precisando de ajuda. O que cada um de nós pode fazer? Podemos gerar uma onda de gentileza em nossas mentes e enviá-la para essas pessoas. E como podemos fazer isso? Acho que temos a resposta. Você pode criar essa onda na sua mente e torná-la realidade no Scratch; lá é possível criar uma animação incrível, uma mensagem carinhosa ou simplesmente uma imagem de paz.

Infelizmente, é comum o uso das redes sociais e comunidades on-line para disseminar o ódio e a desinformação. No entanto, elas também podem ser usadas para apoiar, encorajar e criar empatia com outras pessoas; ou seja, para enviar ondas de gentileza. A equipe de desenvolvimento e suporte do Scratch sempre teve como foco fomentar uma comunidade criativa, atenciosa e colaborativa, além de ensinar as crianças a programar.

Ao longo dos anos, minha inspiração tem sido a forma como as crianças usam o Scratch para espalhar ondas de gentileza. No início da pandemia, uma usuária do Scratch chamada helloyowuzzup compartilhou um projeto chamado Acts of COVID Kindness (em português, Atos de gentileza na COVID). Nele, ela deu sugestões de como os membros da comunidade Scratch poderiam fazer presentes para “alguém que você acha que precisa de um pouco de alegria”. Centenas de jovens responderam e criaram presentes para outras pessoas. Nas notas do projeto, helloyowuzzup explicou que a pandemia gerou “a necessidade de propagar a gentileza”.

Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, jovens de todo o mundo compartilharam milhares de projetos no Scratch expressando apoio ao povo ucraniano e o desejo de paz. Um usuário do Scratch criou um estúdio chamado Stop the War! Peace for Ukraine! (em português, Parem a guerra! Paz na Ucrânia!). Os jovens contribuíram com centenas de projetos para o estúdio, muitos com animações da bandeira ucraniana e clipes de músicas ucranianas. Alguns nomes de projetos incluem Ukraine deserves peace (A Ucrânia merece paz), We wish for peace forever (Paz para sempre), I stand with Ukraine (Estou do lado da Ucrânia) e #pray4ukraine (#oraçõesparaucrânia). A seção de comentários do estúdio tem muitas mensagens de apoio ao povo ucraniano, mensagens de gratidão de jovens da Ucrânia, mensagens de preocupação de jovens de países vizinhos e algumas discussões entre jovens com diferentes pontos de vista.

Existem alguns comentários cínicos, como “sim, com certeza o Putin vai ver isso e parar a guerra”. Mas essa não é a questão. É verdade que os comentários no Scratch não vão acabar com a guerra. Mas eles podem enviar pequenas ondas de gentileza, dando esperança em um momento em que ela é muito necessária. Coletivamente, essas ações podem gerar uma onda que ajuda a criar uma cultura de gentileza.

Sinto uma conexão pessoal com a crise na Ucrânia. Meus avós fugiram da Ucrânia há 100 anos, em 1920, para escapar dos pogroms russos contra os judeus. É muito triste que a agressão e a violência persistem na Ucrânia mesmo 100 anos depois. Precisamos enfrentar a atual crise na Ucrânia, mas também trabalhar em mudanças sistêmicas de longo prazo para garantir que o mesmo ciclo de violência e agressão não se repita daqui a 100 anos. Uma cultura de gentileza é a base para essa mudança.

Minha visão pessoal sobre gentileza, carinho e empatia é inspirada, em parte, pelas minhas experiências em um acampamento de verão chamado Camp Boiberik, onde passei cinco verões como participante e monitor, entre 1970 e 1975. O acampamento foi fundado em 1923, como um refúgio de verão e ponto de encontro para filhos de judeus que haviam imigrado há pouco tempo, principalmente da Europa Oriental.

Todo verão, o Camp Boiberik terminava com um festival especial chamado Felker Yom-Tov, o Feriado dos Povos (do iídiche, idioma de muitos imigrantes judeus). Para o festival, cada grupo de crianças aprendia canções e danças folclóricas baseadas na cultura de um povo diferente de cada parte do mundo. O objetivo era que as crianças apreciassem, entendessem e criassem empatia por diferentes pessoas e culturas.


Fotos dos festivais Felker Yom-Tov das décadas de 1950, 1960 e 1970, com crianças representando a Ucrânia, a Áustria e a Costa do Marfim.

No final da celebração do Felker Yom-Tov, após os grupos apresentarem as músicas e danças das culturas representadas, todo o acampamento se levantava e cantava uma música final com o refrão (em iídiche) Mir zaynen di felker, Mir zaynen di velt, que significa “Nós somos os povos, nós somos o mundo”. Embora os participantes fossem filhos e netos de imigrantes que fugiram da perseguição, a mensagem não era rejeitar o resto do mundo, mas sim abraçá-lo com gentileza e empatia, compreendendo, apoiando e se conectando com outras pessoas ao redor do mundo.

O Camp Boiberik fechou em 1979. Mas, para mim, continua sendo um modelo de como os jovens podem participar de uma cultura de gentileza. Minha amiga e colaboradora de longa data, Natalie Rusk, sugeriu, em tom de brincadeira, que meu trabalho no Scratch e em outras iniciativas internacionais é minha maneira de compartilhar o espírito de Felker Yom-Tov com outras pessoas.

Não existem soluções simples para reverter a ascensão do autoritarismo, do ódio e da violência em todo o mundo. São necessárias muitas ações diferentes. Mas, nas minhas conversas com Olesia, na semana passada, concordamos que qualquer estratégia de longo prazo deve incluir pelo menos dois elementos principais: envolver ativamente a próxima geração de jovens e fomentar uma cultura de gentileza. Com base nas nossas experiências, vimos que muitos jovens ao redor do mundo estão prontos, dispostos e animados para enviar ondas de gentileza. O desafio é claro: precisamos encontrar mais formas de apoiar os jovens para que se tornem seres humanos curiosos, atenciosos e criativos, que gerem as ondas de gentileza que vão incentivar mudanças duradouras no futuro.

Texto original em inglês: Waves of Kindness